2019
sonho sem prolongamento
Perguntei ao João se sonhava. Porque uma coisa é um sonho de menino, o sonho de chegar lá; outra é ter lá passado e guardar disso memórias que o cérebro pode misturar e atirar-nos aos olhos desprotegidos pelo sono.
O João diz que não sonha. Que nunca sonha com isso. Mas eu sonhei. Naquela altura não havia Benfica TV, pouco destaque se dava à formação de jogadores, mas lembro-me de ler o entusiasmo que o João Coimbra provocava nas hostes do meu clube. Capitão em vários escalões, capitão nas selecções jovens de Portugal, campeão europeu de juvenis, o João era o craque discreto que ocupava o meio campo, uma espécie de Carlos Manuel dos tempos modernos que fazia lembrar nalguns momentos o proscrito Paulo Sousa, noutros o maestro Rui Costa.
Dirão que exagero, mas o que se podia desejar senão os voos mais altos ao maior diamante que o Benfica via nascer em tantos anos de inverno gelado? O azar do João foi ter nascido dez anos mais cedo do que merecia. Naquela altura ninguém estava preparado para acarinhar um jovem atirado às feras numa arena impaciente com os sucessivos desaires da sua equipa. Não deram tempo ao João Coimbra, não cuidaram dele. É isto que eu acho. Ele não. Porque o João me veio explicar o que era a humildade e prefere olhar para os tropeções da vida como falhas próprias em vez de encontrar culpas nos outros.
Os tempos são outros, agora. O João pode não ter feito a carreira que todos antecipávamos, mas construiu à sua volta “uma família muito, muito bonita”. É ele que diz, ali a meio do minuto sete. Eu posso confirmar, pelo que vi. Uma família muito, muito bonita. Com alma. Pode não ser um sonho de menino, de estádios cheios a gritar pelo nome do ídolo, mas é um sonho de adulto que poucos conseguem realizar. O João conseguiu-o.